terça-feira, 10 de março de 2009

Conto - Última esperança

Fillipe Vilareína

A novela já está terminando; daqui a pouco é hora de sair. O tempo livre é cada dia maior. Sem pressa, ela vai à cozinha e bebe um copo d’água. Se bem que não se pode dizer que tenhamos essa “divisão de cômodos” na casa. É uma quitinete com quarto e sala onde ela vive até de uma maneira confortável, já que mora sozinha e não tem filhos. Quer dizer, os que ela tem, acabou dando. Nunca teve tempo nem dinheiro para cuidar de uma criança dignamente. Nunca criaria filho nenhum levando a vida que leva – era assim que pensava.

Aparentava ser muito mais velha do que realmente era. Perfumava-se fortemente (é um costume da profissão, segundo ela); prostituía-se desde os 23 anos. O tempo fora implacável; seu rosto estava bastante enrugado e seu corpo, digamos, não era dos mais atraentes. De alguns tempos pra cá, ela sentiu sua clientela cair muito. Sem o charme da juventude, contava com os clientes antigos – e fiéis. Gabava-se de que alguns davam mais fidelidade a ela do que às suas esposas.

Passou sua alfazema de costume e o batom carmim - o mesmo de vários anos. Usava um vestido folgado preto - nunca conseguiria disfarçar sua barriga e seios flácidos. Era uma mulher tradicional, sempre amoral, entretanto, gostava de cada coisa em seus lugares. Era uma prostituta e pronto; nunca gostou que sua clientela a tratasse de outra forma. Perdera a esperança nos homens e no amor. Quando era mais jovem, envolvia-se de uma forma quase sentimental com os seus clientes. Sofreu os sofrimentos deles, comoveu-se com suas histórias, amou seus amores - a prostituta, às vezes, é o melhor divã que existe. Mas ela percebeu que os mesmos clientes que vinham chorar em seu colo, não se importavam com a sua história. Era um objeto de sexo e conversa. Apenas.
Foi para o ponto de ônibus e pegou o que ia para a beira-mar. Desceu e encontrou algumas companheiras de profissão - ultimamente passava mais tempo conversando com elas do que nos encontros com clientes. Dez da noite. Tinha feito dois programas - sexo oral em dois velhos. Algo normal, nunca era mais do que isso nessas horas. Estava sozinha na calçada, pensando no dinheiro que estava devendo à moça dos cosméticos. Uma picape veio devagar. Ela observou os faróis. O carro parou ao seu lado e ela não exitou. Foi à janela - pensando que fazia muito tempo que um carro tão bonito não a parava.

- Está sozinha? - era um jovem.

- Sim.

- Quanto é programa?

- Cinqüenta. - pra alguém tão "bem-de-vida" como parecia o rapaz, até que estava barato.

- Entra aí.

Entrou sem falar nada. Normalmente era muito desconfiada, mas ela sentiu que não era nada demais. O carro partiu rapidamente. Olhou para aquele jovem que dirigia; ele retribuiu o olhar e sorriu. Era uma cena comovente e ela achou o gesto bastante meigo. Colocou a mão no pênis dele e gargalhou. Ironicamente, o rapaz soltou:

- Opa minha senhora! Acalme-se.

Ela resignou-se. O "senhora" a fez perceber o inusitado do que estava acontecendo: um jovem, bonito e aparentemente rico a pegou na calçada pra fazer um programa. Mas ela apenas respondeu:

- Tá no céu.

Chegaram num motel. Era um dos bons. Ela nem prestou atenção à conversa do rapaz com a pessoa da entrada. O carro seguiu até a garagem, desceram e subiram as escadas. Ela foi na frente, abriu a porta com a chave que ele lhe dera. Assim que entrou, ele a agarrou. De forma surpreendente, começou a acariciá-la, como ninguém fazia desde muito tempo...
A maciez dos lábios jovens, a forma forte e carinhosa com que ele fazia sexo; tudo isso a fez esquecer a maneira "maternal" com que ela trata os clientes juvenis e se entregar como nunca havia feito antes. Por algumas horas, a tristeza inerente à rotina desta mulher foi embora. Por algumas horas, foi feliz.

Tomaram banho quando estava quase amanhecendo. Foram para a garagem e entraram no carro sem dizer uma palavra. Dessa vez, ela percebeu que quem estava na entrada era uma mulher. Ele pagou e saíram rumo à praia. Não conversaram no caminho. No calçadão, ele parou o carro, ela abriu a porta e saiu:

- Quanto foi? - disse ele.

- Cinqüenta.

Imediatamente, ele puxou uma nota do bolso e apontou para ela. A nota de cinqüenta foi muito incisiva. Era como um olhar reprovativo. Ela sentiu vergonha, puxou a nota e colocou no sutiã. Olhou em direção à rua, viu o horizonte e percebeu o laranja claro do céu ali àquela hora. Voltou o olhar para o rapaz. Ele a observava, muito sério. Num rompante sentimental bizarro, ela disse:

- Eu te amo.

Ele não moveu um músculo do rosto. Ela virou-se e saiu. Enquanto caminhava, podia ouvir o carro se afastando. Era a última esperança de quem vive cada dia como se fosse o último. Era o rastro de um momento estranho, incomum e inesquecível. Olhou para a avenida e viu o vermelho dos faróis da picape ao longe. Deitou-se no banco da praia e observou o tom arroxeado do céu na alvorada. Havia poucas nuvens. Procurou um cigarro e um isqueiro na bolsa. Tragou e soltou a fumaça para o alto. Não conseguia pensar em nada a não ser aquele céu.

Pensou que era um belo momento pra se morrer.

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