terça-feira, 23 de março de 2010

A festa da vida


Brasigóis Felício


Há duas categorias de pessoas com dificuldade para se entregarem sentimentalmente a outras criaturas: as que são donas de si mesmas, e as que não o são. As do segundo tipo, quando se apaixonam, entregam-se ao objeto de sua paixão, com desespero de afogados. Então a sua entrega desastrada resulta em desastre anunciado.

Mas há também outro tipo de gente: o grupo peso pesado das pessoas que parecem ter chumbo na constituição de sua alma, ou de seu humor. Carregadas de tensão, estão sempre estressadas ou irritadas, espalhando agitação e inquietude por onde passem. Não se permitem ser espontâneas, e parecem estarem travadas, incapacitadas para o riso, a leveza e a descontração.

A psicologia profunda ensina que este tipo integra o tipo caracterológico dos atacados de rigidez psíquica, com reflexo no corpo, a última cidadela deste edifício de muitos andares, que é o Ser humano. Em sua tensão cronificada, tais criaturas tornam mais lento o tempo dos relógios – nos lugares onde estão tais criaturas, os ponteiros dos relógios parecem ir de arrasto – o tempo custa a passar. Ao contrário, o tempo que se passa no convívio com pessoas alegres, gentis e amáveis, passa sem que se perceba.

O peso de sua insustentabilidade existencial decorre de andarem tais criaturas carregadas de culpas, que transferem aos outros, em ações projetivas inconscientes ou não: é a estratégia que encontram, para debitar a outros a responsabilidade pelo seu permanente mau estar de viver. Assim, transformam em martírio a sua passagem pelos dias de seu tempo de vida, infernizando compulsivamente a existência das pessoas de seu convívio. Tais pessoas, estressadas e estressantes, passam-nos a impressão de que, por inveja, ou inapetência para a felicidade, recusaram o convite para participar da festa do viver. E não aceitam que outros, não contaminados por sua infelicidade escolhida, tenham aceitado o convite, e estejam a participar, alegre e saudavelmente, da comovedora experiência de viver. --texto--

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