sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

O CORPO TRAÍDO

Brasigóis Felício

“Eis que meu corpo,
negado e traído,
há muito já não vibra
e mal respira.

Há muito não me dou
o prazer de me saber
Baco e Narciso.

Desaprendi o verbo
essencial do Ser,
em que, quando estava vivo,
mergulhava meu corpo
nas solidões da carne,
e o meu rosto bacante mirava
nas verdades do vinho.

Há muito não me dou o prazer
de estar em mim.
Neguei meu corpo
três vezes três.
Trezentas vezes
vezes três
traí o corpo
morto que sou.

Jamais me dei o direito
de me saber capaz
de dar e receber o amor
do meu, e do outro corpo.

Ausente de mim,
fiz da ciranda dos dias
a fúnebre procissão
de um morto vivo
(e carreguei meu caixão
em meio à multidão).

Jamais a Graça me dei,
nunca a alegria me concedi:
o me saber possuído
pela Vida Plena.

negado e traído
meu corpo foi despojado
do ancestral mistério.

Desde milênios
entre gritos e gemidos,
fui condenado
ao garrote vil,
sendo atirado
à vala comum,
onde jazem, insepultas,
as multidões de mortos-vivos

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