quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Um encontro

Fillipe Vilareína

No começo ele tentou fingir que não sabia que Susete era um travesti, mas ela detectou a sua tentativa de, talvez, forçar um constrangimento na hora em que ela tirou a roupa quando estava no motel. Geraldo tossiu freneticamente e perguntou, fazendo uma cara de espanto com toda sua canastrice “o que é isso?” Susete olhou com vigor e, num tom ameaçador, disse que ele não poderia vir com essa estória, que era evidente que ela era um travesti. Ele ficou sentado na cama, pensando, ponderando algo que ninguém conseguia saber o que era. Susete ficou andando pra lá e pra cá, tentando se exibir, mostrando tudo o que ela tinha de feminina – a não ser pela constrangedora presença de um pênis teso em sua pelve. “Olha, estamos numa situação difícil aqui. Mas, vou te ajudar.” Ela, de costas, não viu que ele tentava encontrar algum dinheiro no bolso do seu paletó. “Tempo é dinheiro, meu filho! Acha que eu sou besta? Alguma otária? Você me chamou! Agora tem que fazer o programa!” Ele jogou duas notas de cinqüenta e uma de vinte no chão, perto de onde o travesti, também fingindo uma resolução para conseguir mais dinheiro, estava parado. Imediatamente ele correu para o banheiro, dizendo que tinha que fazer uma coisa. Levava o paletó consigo.
Susete fazia ponto numa avenida do centro. Estava parada, mostrando as nádegas para quem passasse. Estava junto com sua amiga Laura, também travesti, que ela achava burrinha demais, mas, se tivesse sorte, poderia arrumar um ricaço que a bancasse, já que era bonita e delicada. Parecia uma mulher. Os carros passavam rapidamente, já que não tinha muito movimento ali àquela hora. “Ai, mulher, hoje não tá dando nada, acho que vou pra minha casa. Vamo comigo?”, disse Laura, do seu jeito lento. “E por quê? Estou sem nenhum dinheiro, não sou que nem você que tá com a vida ganha. Daqui a pouco vem alguém, te acalma, bicha!” O tempo foi passando e, fora os xingamentos de alguns que passavam, não parava ninguém. “Menina, tô morrendo de medo. Não sabe que tá cheio de maluco por aí?” “Olha ali, menina! Deixa de tua frescura!” Susete apontava para o golf cinza que estava encostando. Logicamente, elas discutiam isso olhando para o carro e rindo aquela risada típica de travestis.

- Procurando diversão, amor? – disse Susete

- Vocês duas estão sozinhas?

- Esperando por você, gato.
- Aquela ali tá muito envergonhada...

Susete olhou para a amiga fazendo uma cara que sugeria um “vem cá, piranha, logo.” Laura veio com seu sorriso de menina novinha e carente.

- Você parece que é de menor. – disse Geraldo para Laura, vestido como quem voltava do trabalho, sorrindo como quem procura algo para a noite inteira.

- Tenho dezoito. Fica sossegado, amor. Vou te fazer gozar todinho.
Riram todos.

- Sua amiga aqui parece mais decidida do que você em me fazer feliz.

Falava isso por que Susete acariciava de leve o peito dele.
Susete relutou de início em deixar sua amiga sozinha no ponto, mas Geraldo foi irredutível em levar somente ela. Laura não queria mesmo ir naquele programa, já que estava cansada e não estava se sentindo bem. Deixou-os irem, afastando-se do carro com seu andar apressado. Susete então começou a conversar com Geraldo, explicá-lo que ela fazia de tudo, era só uma questão de saber como tratá-la, e todas aquelas conversas que não servem para absolutamente nada a não ser passar o tempo. Geraldo ouvia com uma paciência incrível. Seguiram para o motel Love Nights, que ficava duas quadras de distância.

Geraldo estava no banheiro andando como louco. Gostava do Love Nights por ter trancas no banheiro, coisa rara em motéis. Pensava em como faria para cuidar daquele traveco enorme o esperando na cama. Tirou o saquinho com cocaína que estava no bolso de paletó, espalhou o pó pela mão e aspirou. Sentiu a dormência nas narinas e nos músculos próximos ao nariz. A euforia tomou conta dele pouco depois. Pegou a faca que estava no bolso interno do paletó e saiu.
Susete o esperava na cama, com o pênis em riste, contrastando com o corpo de mulher malhada. Acariciava os enormes seios. “Vem cá, gostosão.” Geraldo cobria a mão onde segurava a faca com o paletó. “O que está escondendo? Mostra pra mim amor...” Ela estava deitada sobe sua navalha. Se ele tentasse algo, teria que partir pra ignorância. Era muito forte e não se deixaria machucar por um magricela como aquele. Olharam-se ameaçadoramente. O clima naquele quarto com paredes azuladas estava ficando pesado. Geraldo, como quem revela uma verdade inconveniente, empunhou a faca, mostrando-a finalmente para Susete. Ela olhou friamente para a cena patética que estava se formando ali. Levantou-se então da cama e o puxou para junto de si com força. Geraldo, espantado com o vigor do travesti, encostou a ponta da faca em sua barriga e jogou-se por cima dela na cama. Deixou que a lâmina penetrasse de acordo com o peso de seu corpo. Susete sentiu o queimar da faca entrando em seus órgãos, fechou os olhos e deu um gemido de prazer. Beijou a boca de Geraldo profundamente, como se aquilo que ele tinha feito fosse o gesto mais romântico de uma linda história de amor. Pegou a navalha e, num gesto rápido, cortou a garganta do homem, que gorgolejou, molhando o rosto dela, e caiu para o lado. Susete olhou o cabo da faca enterrado em seu corpo e sentiu o quente de todo o sangue que escorria pelo seu ventre, passava por sua virilha e molhava, num filete que escorregava lentamente, o seu períneo. Pegou o telefone e ligou para a recepção. Ficou a refletir sobre a vida enquanto ouvia, nua, o murmúrio das pessoas que estavam chegando para abrir a porta.

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