quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Um conto noturno: O lycanthropo

Descobri que o terror no olhar alheio me é interessante quando era pequeno. Devia ter uns seis ou sete anos, e coloquei uma lagartixa morta na gaveta de minha professora. A cara dela foi engraçada pra todo mundo, mas pra mim, autor da façanha, foi de um prazer indescritível. O mundo pareceu girar mais devagar, pois pude observar, desde a esperança dela de pegar o material que pintaríamos naquela manhã, passando pelo susto ao ver o bicho morto até o surto de pânico pela constatação de ser o animal do qual tinha mais nojo. Acho que foi o meu primeiro orgasmo.

Então você sente um prazer sexual ao fazer o que faz?

Sim e não. É um prazer maior. O sexo me traz uma sensação boa e imediata, mas não é a mesma coisa de causar o terror. Desde aquele pequeno dia na minha infância eu soube qual era o meu objetivo de vida. Causei susto outras vezes, tendo o mesmo prazer, até alcançar o Lúgubre Prazer Máximo, que eu chamo de LPM, posso usar esse termo?

Claro.

Mas ele só se dá à luz da lua. É como um tempero. Apesar de todo e qualquer medo alheio me causar uma excelente sensação, quando estou à luz do luar esse prazer cresce exponencialmente. É a explosão de mil orgasmos.

Você se considera, dessa forma, um maníaco sexual?

Não. Alcancei um nível superior ao sexo. Isto é, como diria aquele outro, “humano, demasiado humano.” Como todo mundo, eu sempre soube que era diferente do resto das pessoas. Mas a minha real diferença é que encontrei essa coisa que me torna especial. Ela é a alma alheia.
Você tem consciência de que foi uma experiência danosa para todos os objetos de sua obsessão?

O LPM vale mais do que qualquer preceito moral ou filosófico. Se eu fosse pensar em valores éticos, eu nem estava aqui, sentado ao seu lado, gravando isso. E tenho propriedade para me mostrar para você agora por que sou alguém muito bem resolvido, pouco me lixando para o que aconteceu ou acontece com o resto do mundo.

Isso não denota imaturidade?

Lógico. Mas você não encontrará um ser mais maduro do que as crianças. Um velho se diz sábio por saber ponderar os seus medos. Na verdade, isso é um tipo de covardia. Prefiro ser pueril, afinal o medo não é para mim.

E o seu modus operandi? Parece-me tão simplório...

Não poderia inventar nada muito espalhafatoso por não ter tempo. Do que eu preciso? Ando com essas cordas, esse facão, esse carro grande e preto, essa arma de brinquedo. Isso à noite, meu amigo, causa um terror que você não imagina.

Não em mim.

Não em você.

Porque isso, então?

Por que eu não quis.

[Silêncio]

[Respiração Ofegante]

[Pigarro]

Tomados pelo tédio, o lycanthropo e o repórter e seu assistente se afastam na noite fria de sexta feira. O carro grande arranca num som forte e surdo. A reportagem continua sua caminhada até a esquina, onde o assistente se põe em debandada ao ter aquela visão. O repórter cai num desmaio que parece um sono profundo. Haviam entrevistado a pessoa errada. O carro verdadeiro vai embora, com o motorista soltando um gemido tão estridente que fez tremer toda vizinhança daquele encontro absurdo e fantástico.

por Fillipe de Vilareína

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